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quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Centopéia Humana (2009)

THE HUMAN CENTIPEDE - THE FIRST SEQUENCE
Direção: Tom Six
Holanda e Reino Unido, 2009.



Existem experiências que só o cinema fantástico é capaz de dar a fórmula e com ela revelar ao mundo algo inovador. Alguns desses experimentos são considerados geniais e inteligentes, outros são arremessados direto no lixo pela crítica especializada, que também nem sempre faz isso com bom senso.

”A Centopéia Humana”
(The Human Centipede – The First Sequence, Holanda e Reino Unido, 2009) é um caso que mistura as duas teorias, o famoso “ame ou odeie” na mais literal linguagem popular. Afinal, um filme onde uma centopéia humana é o personagem principal causa, no mínimo, polêmica. Além dos mais diversos sentimentos que vão de nojo a ódio. Não acredita? Pague pra ver.



Essa produção em conjunto de Holanda e Reino Unido foi toda filmada em vídeo digital e teve orçamento baixíssimo. Simplesmente: “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”. Esse poder de independência cinematográfica, é algo inexprimível, pois qualquer um pode virar um diretor também. Ainda mais nos dias de hoje, onde é quase obrigatório efeitos e direções de arte milionárias à la Avatar, o que é mais um motivo para destacar essa obra corajosa e única. Uma centopéia humana, isso sim é arte!



Escrito e dirigido pelo holandês Tom Six, “A Centopéia Humana”, narra a história de duas turistas americanas em viagem pela Europa, Lindslay ( Ashley C. Willians) e Jenny (Ashlynn Yennie), em sua passagem pela Alemanha decidem ir, de carro, a uma balada mais afastada, só que no meio do caminho o pneu fura e elas acabam ficando sozinhas no meio do nada.

Aí já viu...

Elas decidem procurar ajuda e vão parar na casa do malvadão Dr. Heiter (Dieter Laser), que as recebe prometendo que vai ligar para ajuda. Mas o cientista maluco prefere dopar as gurias e colocar o seu plano maligno de criar uma centopéia humana em ação. As meninas acordam amarradas, junto de um rapaz oriental, que é a outra cobaia... Aí agonia começa a aparecer, aliás, esse é um sentimento que vai permanecer pelo resto da película.

Enfim, o Dr. Heiter volta à cena e descreve a operação detalhadamente para seus pacientes, com um cinismo extremo. Abaixo as imagens dos desenhos explicativos da operação:





Esse filme é para quem tem peito e estômago. Acho que até mais peito que estômago, porque ao contrário do que muitos podem pensar, não é extremamente nojento, mas cheio de torturas psicológicas e humilhações que mexem com o espectador.

Lembrei-me do período nazista muitas vezes durante a exibição e não só por ser todo ambientado na Alemanha. As experiências bizarras dos médicos alemães, como as de Joseph Mengele que, em campos de concentração, injetava tintas azuis nos olhos de crianças judias, unia veias de gêmeos, deixava pessoas em tanques de água gelada para testar sua resistência, amputava e também coletava órgãos de prisioneiros para as mais diversas finalidades. Esses são alguns exemplos desse tortuoso período da Humanidade. Mengele ficou conhecido como “Anjo da Morte” e morreu no Brasil em 1979. Viu, só? O Estranhezas Cinematográficas também é cultura (hahaha).





Depois da pequena aula de História, voltemos à nossa centopéia. A obra demora até mostrar algum tipo de ação, mas na hora que mostra não pára. Esse é um daqueles exemplos de filmes claustrofóbicos em que, cada vez mais, o espectador vai perdendo as esperanças de um final feliz e seus personagens são expostos a situações muito humilhantes.

Por onde tem passado esse filme tem tirado espectadores das salas antes do término da sessões, devido as torturas do maléfico Dr. Heiter. Escabroso, excêntrico e maluco, ele se transformou em ícone para muitos, inclusive ganhando comparações com Freddy Krueger (!!!) e Hannibal. A interpretação do ator alemão é perfeita, fugindo daquele clichê do “cientista maluco”e imprimindo uma expressão doentiamente única. Afinal, ele é estrela.

“A Centopéia Humana” tem momentos previsíveis e alguns clichês que já entramos em overdose de tanto ver por aí, mas ao menos tenta fugir disso (e muitas vezes consegue). Tem ação, suspense em um dos roteiros mais sujos criados para o cinema, tudo isso com uma forte carga emocional capaz de levar o espectador ao limite do suportável.


Léo Castelo Branco**


sábado, 19 de junho de 2010

Batman (1989)

BATMAN
Direção: Tim Burton
EUA, 1989.



Todas as crianças têm seus heróis, dentre eles, cada um tem aquele que considera o mais foda. Aquele que passa segurança mesmo sem existir, estando presente como uma espécie de amuleto da alma. Algumas vezes a admiração dura para sempre, outras vezes é esquecida com a chegada da puberdade.

Sim, a minha admiração dura até hoje. E acredito que durará para sempre. Meu super-supremo-super-herói é o BATMAN. Ele é meu preferido justamente por não ter nenhum super poder e ser um “alguém” que está sempre abaixo da lei, ou seja, para muitos ele é um criminoso como qualquer outro. Essa vontade extrema de fazer justiça sempre me chamou atenção e tudo isso começou quando eu via seus antigos desenhos nas gloriosas manhãs do SBT (não, nunca tive paciência para HQs).

Bruce Wayne, ou Batman como preferirem é (além de playboy) aquele homem obcecado pela justiça, dotado em artes marciais e um exímio estrategista, tendo suas ações sempre muito bem planejadas e executadas com maestria. Fala a verdade, o cara é foda!!!



Pois bem, hoje estou aqui para falar da primeira adaptação formal do homem-morcego para as telonas, que até então (1989) só havia tido uma aparição nos cinemas em um filme baseado no seriado Batman e Robin, de Adam West nos anos 60. Não sei a data precisa, portanto, trato esse filme de 1989 como a primeira adaptação do homem-morcego para o cinema.

Quem viu o seriado notou o seu tom escrachado e humorístico, gerando uma famosa sátira: o “filme do Batima”, em que dois brasileiros redublaram episódios da série a deixando, digamos... muito mais engraçada. Também acaba de ser lançado, baseado na antiga série, “Batman: a XXX parody” um filme pornô do morceguinho onde foram gastos U$$ 60 mil só em figurino (!!!), inacreditável, mas é a mais pura verdade. Dúvida? Veja o trailer dessa obra máxima:



Ainda aqui? Ótimo.

Pois escrever sobre esse filme é muito bom. Por que? Explico. Foi um dos muitos clássicos que assisti mais de 100 vezes (e foi mesmo), marcou a minha existência, me recordo, ainda criança sabia decor as falas daquela dublagem tosca da Globo, lembra?



Enfim...

Nostalgia à parte, esse foi o primeiro filme a lucrar de verdade com merchadising , e quando falo merchadising, digo que essa foi a primeira obra cinematográfica a fazer chaveiros, adesivos e todos os tipos de brindes para se promover. Você deve estar se perguntando se valeu a pena. Sim, valeu. Foram gastos U$$ 35 mi e lucrados
U$$ 410 mi. Dava para refazer o filme umas sete vezes.

O diretor escolhido para comandar o projeto foi o ainda novato Tim Burton. Apesar de vir do sucesso “Os fantasmas se divertem” (Beetlejuice, EUA, 1988), ele ainda era novo e inexperiente para muitos, só que provou o contrário combinando a fotografia escura (que ele adora) com personalidade do personagem principal. E deu casamento.

(E quem acha que odeio o Burton, taí a prova que acho que ela faz coisa boa, ou... fazia!?)

“Batman” é o marco do começo da “era das megas produções de Hollywood”. Até então era incomum gastar esse absurdo em um filme de super-heróis. Lembremos de “Capitão América” (Captain America, EUA, 1990) em que temos um roteiro extremamente infantilizado e o protagonista com uma fantasia comprada na 25 de Março, algo absurdamente ridículo e fora de contexto.



Para essa obra não se tornar mais um “obra” trazida das páginas dos quadrinhos, precisavam de um ator de peso, um nome que falasse por si só. Dito e feito, Jack Nicholson foi escalado para o elenco, e melhor, como o vilão mais anarquista de todos os tempos: o incansável Coringa.

Michel Keaton, vestiu a armadura do homem-morcego e, na minha opinião, foi muito bem. Ele já havia trabalhado com Burton em “Os fantasmas de divertem”, porém muita gente foi contra ele no papel por conta de sua baixa estatura e por até então ser conhecido pelos seus papéis em comédias. Para esse papel era preciso ser excêntrico e viver uma certa profundeza psicológica. Ele conseguiu. Keaton acertou, porém com um roteiro pouco a seu favor (alerta: opinião pessoal), que muitas vezes prefere mostrar um Bruce Wayne apaixonado e até um homem de família, do que sua personalidade abalada e sua sede de justiça, isso ficou de fato esquisito.



Essa sede de justiça e, por que não vingança, fica evidente em “Batman – Begins”(Idem, EUA,2005). O Batman do século XXI, do cineasta inglês Christopher Nolan, é mais humano e menos sensível do que o de Burton, mas vou seguir em frente, pois o objetivo desse artigo não é comparar os dois.

A história começa a todo vapor. Com Batman pegando dois batedores de carteira e os deixando “do jeitinho” para a polícia prender e sai de cena falando para um dos marginais: “Eu sou o Batman. Fale pro seus amigos sobre mim”. Detalhe: logo no início já vemos a fotografia de Gothan City de cima, lembrou uma Nova York dos anos 40 com um clima londrino, simplesmente espetacular, em cada detalhe surpreendente.



Depois conhecemos toda a história do Coringa, como ele se transformou no bobo da corte mais filho da puta de toda história, até o encontro com o cavaleiro das trevas, tudo com certo cuidado, a falha do roteiro fica mais evidente quando o assunto é Bruce Wayne. A falta de escuridão em seu personagem aparece e não culpo Keaton porque quando ele está com armadura escura sua nota é dez.



Só que quem rouba a cena é mesmo o Coringa de Jack. Autêntico, divertido e vestindo ternos estilosos. A atuação doentia do ator é impecável e marcante, como na cena em que depois de fazer uma vítima, repete gargalhando uma dez vezes: “estou feliz que você esteja morto...”, até de sair de cena. Simplesmente impressionante!!!

“Batman” tem situações de humor recheadas de ironia, principalmente aquelas que envolvem o Coringa. E não podemos esquecer da Gothan City, com fotografia gótica, elemento presente o tempo todo, em alguns momentos chegando a ser gritante.

Os fãs xiitas não gostaram muito desse filme porque houveram algumas mudanças das histórias originais em quadrinhos - o que para mim, como não-leitor de HQs não a faz a menor diferença. "Batman" é um filmaço sim, com todos os créditos e méritos de clássico de um cinema, hoje, já "old school”.

Léo Castelo Branco

**

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Segredo da Múmia (1982)

O SEGREDO DA MÚMIA
Direção: Ivan Cardoso
Brasil, 1982.



Imagine a cena: um criado daqueles bem clichê de filmes B dos anos 50, que canta ópera e mata quem se colocar no caminho do patrão (que, no caso, é um cientista maluco) e uma múmia serial-killer. Agora imagine tudo isso rodeado de seios, bundas e todos os elementos pornochanchadísticos...

Imaginou?

Agora, visualize isso tudo se passando no Rio de Janeiro da década de 50. Melhorou? Então é isso (e mais um pouco) o que se passa em “O Segredo da Múmia” (Idem, Bra, 1982), esse clássico do cinema –sem noção- nacional que foi esquecido e nunca lançado em DVD, sobrando cópias apenas para garimpeiros de podreiras de plantão, o que é uma pena e um verdadeiro desperdício cultural.



Ivan Cardoso criou esse universo mágico citado acima em 1982, com o seu “Segredo da Múmia”, consolidando-se assim como inventor e mestre do “terrir”.

Para quem não sabe o “terrir” é um sub-gênero que surgiu nos anos 80 (oh, época boa!!!) como nada menos que uma bela desculpa para dar risada e ultrapassar o limite do nonsense, tudo com muita mulher gostosa, defeitos especiais e falhas escabrosas no roteiro. Tem coisa mais linda?

Seguindo essa linha “O Segredo da Múmia” é uma obra cheia de momentos unânimes, irreverentes e divertidíssimos. Afinal, uma múmia no Brasil não pode ser menos que isso.



Expedito Vitus é um cientista dotado de uma extrema inteligência, porém ridicularizado pelos seus colegas e pela mídia em geral porque diz ter descoberto o “elixir da vida”. Tudo muda quando ele encontra a famosa múmia “Runamb” no Egito, e a traz para solo tupiniquin, o que é retratado de forma magistral pelos jornais da época e até o famoso “Repórter Esso” fez questão de noticiar o fato!


Vitus virou um superstar. Mas ele vai além, testando o elixir na múmia. Daí para frente não precisa ser um gênio para saber que a múmia vai levantar querendo matar qualquer um que passar na sua frente. Isso seria normal em qualquer filme, mas aqui a coisa é "made in Brasil", o que torna tudo muito mais divertido.

Wilson Grey está simplesmente genial na pele do excêntrico Dr. Expedito Vitus, em uma interpretação repleta de expressões e caretas dignas de um verdadeiro “cientista maluco”, sua voz também merece destaque, parece que ele está falando para dentro de um funil.

A cereja do bolo fica por conta da criadagem do Dr. Vitus. A empregada Regina, interpretada por Regina Casé em uma performance mais bizarra do que qualquer um dos seus atuais programas de TV e o mordomo Igor (Felipe Falcão) que mais parece o “tio Chico” com síndrome de down, e nos faz rir com suas caras e bocas forçadas e, a todo momento, parece que está literalmente se cagando em cena. “Terrir” é isso: não é beirar o rídiculo, é ir além dele.


Regina (magrinha, como nunca) e Igor têm um “caso” e nos propiciam uma cena antológica que escreveu suas letras na história do cinema nacional, se não, ficará para sempre na minha memória, ainda não sei se pelo susto ou pelo valor histórico de tal “atrocidade”.

De repente, no meio do clímax da história, aparece um letreiro em tela preta: “enquanto isso..” são os dizeres que aparecem na tela. Corta. Regina (com cabelos no sovaco) nua e jogada na cama junto com Igor que a lambe inteira, com tamanha vontade que achei que fosse pular para fora da tela. A cena em si é de um realismo imenso, o que comparado ao resto da atuação da Regina Casé nesse filme lhe valeria o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Nos resta então escutar os pedidos da empregada Regina: “tenha modos, Igor, tenha modos!".

Falando em atores globais e mais conhecidos do grande público, olha só quem faz parte do elenco: Cláudio Marzo, Anselmo Vasconcelos, Evandro Mesquita, Júlio Medaglia, ainda uma participação especialíssima de José Mojica Marins e Maria Zilda Bethlem em apenas uma cena, digamos, bem picante como você poder ver pela foto abaixo:



Com esse time e esse enredo fica impossível perder essa pérola do cinema nacional, isso sem falar do personagem principal, a múmia, que rouba a cena com seu andar meio zumbi e uma força sobrehumana. Tudo aqui é feito em medida milimétrica para arrancar gargalhadas do público. E dá certo.

O diretor Ivan Cardoso, até então só havia dirigido curtas-metragens (o primeiro deles têm um nome sugestivo: “Nosferatu in Brazil”) fez a sua estreia em longas de maneira sublime, com um filme que não tem medo de ser o que é, e tem sim uma identidade. O nome dela é “terrir”.

* Em tempo: o blog Estranhezas Cinematográficas anuncia uma parceria oficial com o Scary Blog (http://scaryblog.zip.net) para o bem do cinema fantástico. Lá vocês encontram notícias atualizadas do mundo do terror, e, a partir de agora, algumas críticas minhas voltadas para o gênero.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Eu Matei Lúcio Flávio (1979)



O que dizer de um filme rodado no Brasil em 1979, em que temos cenas de sexo ao som de Belchior, palavrões em 90% dos diálogos e um protagonista com um carisma-cafajeste único?

Fácil, ele se encaixa perfeitamente aqui, nesse blog.


“Eu Matei Lúcio Flávio” (Idem, Bra, 1979) é um filme histórico, obrigatório para qualquer cinéfilo de plantão. Obrigatório porque é um dos filmes mais imorais, violentos e sádicos já feito nesse Brasilzão doido. E mais: tem Jece Valadão no papel principal. O que transforma qualquer filme, num GRANDE FILME.


E esse é, sem sombra de dúvida, um grande filme, daqueles que realmente surpreendem o espectador. O roteiro tem suas falhas, sim. Mas nada que ofusca o brilhantismo da obra. E que obra!

Dirigido por Antonio Calmon (hoje roteirista de novelas chinfrins da Rede Bobo) o filme narra de maneira romanceada a história real do policial Mariel Maryscötte de Mattos. Uma figura que não saia das páginas policiais no Rio de Janeiro da década de 70, integrante do famoso Esquadrão da Morte da polícia carioca.



Com uma mensagem extremamente ultra-direitista, o lema “bandido bom é bandido morto” aqui é levado a sério e vai além disso. Porém, não se engane e não assista ao filme com um “certo preconceito”, faça o contrário, assista-o analisado friamente à época em que foi produzido. E ainda, tendo em vista que esse é, de fato, um bom policial nacional. Lembre-se que hoje nos cinemas temos como exemplo o bisonho “Segurança Nacional” (Idem,Bra,2010) que a crítica definiu como “o maior desastre do cinema nacional dos últimos tempos.”


"Eu matei Lúcio Flávio" veio de carona no filme de 1976 do diretor Hector Babenco, “Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia” (Idem, Bra, 1976), porém com uma grande diferença: no filme de Calmon, Lúcio Flávio é apenas um mero coadjuvante, enquanto no de Babenco ele é o personagem principal. Calmon teve mais coragem e ousadia ao fazer seu filme, digamos, “menos pop” e que é um verdadeiro tapa na cara de quem o assiste. Diferente do de Babenco, um filme-denúncia, porém sem a mesma ousadia (alerta: opinião pessoal).




Explicação: Lúcio Flavio foi o bandido fodão dos anos 70 no Rio de Janeiro, uma espécie de Fernandinho Beiramar da época, para se ter uma noção. No filme ele é interpretado por Paulo Ramos, porém aparece muito pouco. Sua existência na história é o que mantém o roteiro de pé, deixando o espectador a espera do combate final: Mariel x Lúcio Flávio.

Mas voltemos ao miolo do filme porque tem gente achando que ando escrevendo demais...

A película mal começa e Mariel (Jece Valadão) já arrebenta, sem dó nem piedade, três manés que estão falando alto durante um show em uma boate da qual ele é segurança, ou, como ele diz, “diretor de disciplina”. Além de exercer essa atividade na noite, Mariel é também salva-vidas durante o dia na praia Copacabana.



Ele acaba por salvar a vida de um velho suicída que tentava morrer afogado, e é aí que conhece a mulher por quem se apaixonaria, a filha do velho, Margarida Maria (Monique Lafond, aqui bela). Uma prostituta maluca que toma pico por Copacabana à fora, e que tem uma forte ligação na história, apesar de os roteiristas, Alberto Magno e Leopoldo Serran, aproveitarem muito mal isso. Já se prepare para uma história muitas vezes nada explicativa. Esse é o grande defeito do filme!

Então acontece um dos diálogos mais impagáveis da película, numa cena mais que hilariante. O velho suicída olha para Mariel e diz: “quantas pessoas você já salvou, valentão?”, “47”, ele responde prontamente, depois o velho homem pede para que ele então salve a vida de sua filha que está “perdida nos abismos da loucura”, o que Mariel aceita. Mas antes o velho diz: “Olha bem para minha filha, é uma puta não é? Tá escrito na cara dela”. Num jeito exclusivamente brasileiro, sincero e visceral. Essa foi uma das muitas cenas que fiz questão rever umas 4 vezes e que fazem o filme realmente valer a pena.

Depois dessa introdução emocionante (e hilariante), Mariel, recebe um convite para tentar entrar na polícia. O que ele consegue, como o melhor aluno da turma. Tinha que ter o clichê, né?



Daí pra frente as coisas começam a esquentar. Mariel pega alguns “bicos”de segurança de políticos até ser chamado para fazer parte do "Esquadrão de Ouro" da polícia, um grupo com os melhores policiais da cidade com carta branca para varrer o crime da cidade do Rio de Janeiro.



Se você ainda não assistiu (o que está esperando!?) e quer mais motivos para assisti-lo, vou descrever em riqueza de detalhes outra cena antológica.

Mariel e seu parceiro interpretado pelo ainda novo, e nem por isso menos fantástico Anselmo Vasconcelos (que hoje é um espécie de ator-fixo no Zorra Total, eca!) recebem um chamado de uma ocorrência em um farmácia. Detalhe: a viatura deles é um fusca amarelo e conversível.

Enquanto nossos heróis não chegam para limpar a cena do crime, três malacos tocam o terror no local. Roubando anfetaminas e remédios, até que um dos assaltantes resolve estruprar a recepcionista e a leva para os fundos. Os outros dois marginais ficam torturando um velho (com uma cara engraçadíssima) e uma criança.



Corta.

De novo, a bela recepcionista e o bandido, agora apenas os dois. O malaco diz: “eu quero pouco papo e muita ação” ela atende de bate-pronto. Tira a roupa e surpreendentemente já está sem sutiã (hahaha!), então pega o bandido de surpresa lhe dando uma “agulhada”. Só que de nada adianta. O rapaz a estupra (ou penetra) com a própria arma, o que causa uma certa sensação enjoativa, numa cena que dói nos olhos do espectador. É ver pra crer, ou ver para sentir.



Mas a festa termina com a chegada de Mariel e seu parceiro ( o qual os roteristas não se preocuparam em nomear), os dois já chegam metendo bala pra tudo quanto é lado e a cena termina com Mariel dando uns dez tiros nos cornos do indivíduo que enfiou o cano na moça. Incrível é o prazer de matar dele, desde o olhar ao sorriso de um verdadeiro filho da puta.

O Mariel de Jece é caracterizado com maestria, retratado como um homem ávido de fama, nobreza e publicidade. Dono de um sadismo implacável. O que notamos logo no início, enquanto ele transa com uma guria (uma das dez durante todo filme) ao som de “A divina comédia humana” de Belchior, e se olhando no espelho solta a pérola: “Mariel, você é o maior”. Depois disso para mim, o brega virou algo genial.



Mesmo com todas as canalhices, o espectador, cria empatia com o personagem, porque além da atuação fantástica de Jece, Mariel um é conquistador que cativa o público, o empolga pra valer. O vejo como um super-herói da época, ou uma espécie de Charles Bronson tupiniquim, só que com mais sangue nos olhos e muito mais comedor.

E tem neguinho aí achando “Tropa de Elite” (Idem, Bra, 2007) inovador, é mole? Calmon fez o mesmo, só que 28 anos antes e pergunte ao Padilha se ele não viu "Eu Matei Lúcio Flávio" antes de produzir o seu longa sobre o BOPE.



"Eu Matei Lúcio Flávio" também foi produzido por Jece Valadão, que era amigo pessoal de Mariel, o que além do talento, ajudou a tornar a sua atuação um primor. Confesso que conheço pouco da trajetória de Jece, mas o que venho descobrindo para fazer esse artigo já é mais do que suficiente para me tornar seu fã de carterinha.

Sem mais delongas, estamos diante de uma obra pró-Estado, facista e imoral. Com música brega, muito sexo, sangue e violência. O que, por incrível que pareça, dá certo e empolga. E, para quem quer saber mais sobre a época e Mariel, recomendo o livro: “Barra Pesada” do jornalista Octavio Ribeiro que faz uma releitura da criminalidade no Brasil, passando pela época do nosso querido Mariel. Vale a pena.



Mesmos se você não gostou de tudo o que foi argumentado a acima, vale a conferida só por poder ver atores como: Otavio Agusto, Vera Gimenez ( mãe da mãe do filho do Mick Jagger), Nildo Parente e Fábio Sabag em papéis diferente dos que você está acostumado a ver.

E para finalizar: uma dica. Uma boa sessão de cinema é assistir a três filmes do período e com o mesmo conteúdo “sutíl”. Comece com “República dos Assassinos” (Idem, Bra, 1979), também de 1979, e que aborda o mesmo tema: o Esquadrão da Morte. Só que aqui o papel principal fica por conta de ninguém menos que o mestre Tarcísio Meira. Na sequência, para não perder o ritmo, siga com "Eu Matei Lúcio Flávio". Para finalizar em grande estilo recomendo “O Torturador”(Idem, Bra, 1981) com Jece Valadão mandando bronca e até um padre que cheira cocaína. Impagável!!!

Ah, bons tempos do cinema nacional.

Léo Castelo Branco
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Ficha Técnica


Eu Matei Lúcio Flávio (1979, Brasil)
Direção: Antonio Calmon
Elenco: Jece Valadão, Monique Lafond,
Anselmo Vasconcelos, Paulo Ramos,
André Di Biasi e Maria Zilda.


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